Ser budista e falhar nos conselhos — a contradição que carrego no peito

 

Às vezes sinto que carrego uma estranha contradição dentro de mim: sou budista… mas sou péssimo a dar conselhos. Parece quase irónico. Tenho ao meu alcance séculos de ensinamentos, histórias profundas sobre compaixão, equilíbrio, desapego, clareza — e mesmo assim, quando um amigo precisa de ajuda, as palavras fogem-me como areia entre os dedos.

É como se tudo aquilo que o Buda ensinou estivesse tão enraizado na minha cabeça, mas não conseguisse descer até ao coração no momento certo. Sei sobre o sofrimento e a sua causa. Sei sobre a importância da presença, da escuta, da bondade. Sei sobre a impermanência e sobre como tudo passa. Mas quando alguém que eu amo está perdido, eu fico ali, parado, sem saber que parte da sabedoria milenar devo puxar para o momento, com medo de dizer demais ou de dizer mal.

Há dias em que me culpo por isso. Penso: Como é possível? Tenho tantas histórias — o príncipe que largou tudo, o homem que se sentou sob uma árvore até compreender o mundo, o mestre que ensinou a gentileza até com um copo de água — e mesmo assim, quando um amigo desaba à minha frente, fico mudo, como se o meu caminho espiritual ficasse encalhado na garganta.

Mas talvez… talvez isto também faça parte do meu aprendizado. Porque o Buda nunca pediu que fôssemos perfeitos. Nunca exigiu que tivéssemos respostas prontas ou que fôssemos os guias da vida dos outros. Ele ensinou-nos a caminhar, passo a passo, com humildade. A reconhecer que todos estamos em construção.

E talvez o que eu ofereço aos meus amigos — mesmo sem perceber — não seja a ausência de conselhos, mas a presença. A escuta silenciosa. O espaço onde eles podem falar sem serem pressionados. Talvez o maior ensinamento do budismo, aquele que eu uso sem notar, seja simplesmente estar lá, inteiro, sem julgamento.

Ainda assim, confesso: dói sentir que falho quando mais quero ajudar. Dói saber que tantas histórias poderiam encaixar nas dores dos outros, mas não encontro a chave certa para as abrir.

Mas estou a aprender. E talvez esse seja o verdadeiro caminho: não saber tudo, não ser um mestre, não ter sempre as palavras certas… mas continuar a tentar. Com sinceridade. Com compaixão. Com aquele silêncio que às vezes vale mais do que qualquer conselho.

No fim, sou apenas alguém que acredita nos ensinamentos do Buda, mas que ainda tropeça enquanto tenta aplicá-los. E está tudo bem. Porque o caminho não é feito de perfeição — é feito de passos. E eu continuo a caminhar.

 


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