Resumo do livro que ando a escrever o "Meu Amigo Yoshi"
Yoshi Silva era uma lenda
nos corredores da universidade, um estudante cuja fama se construía na audácia
de virar o jogo contra quem tentava praxá-lo. Com um sorriso provocador e uma
inteligência afiada, desarmava veteranos e conquistava aliados. Ateu deInesdo,
rejeitava tradições e sermões com uma convicção inabalável, mas na Tuna encontrava
seu palco: a voz grave ressoava nas serenatas, arrancando aplausos e risadas.
As noites académicas eram um turbilhão de histórias, e quando concluiu o curso,
Yoshi levou esse espírito irreverente para o mundo corporativo. No escritório,
tornou-se o alívio cômico, o colega cujas tiradas inesperadas dissipavam a
monotonia.
Então veio a pandemia. O
Covid-19 atingiu-o como um golpe brutal, deixando-o por dias à beira da morte,
o corpo preso a máquinas enquanto a mente parecia deslizar para além do tangível.
Sobreviveu, mas o Yoshi vibrante, de risada fácil, não regressou por inteiro.
Algo se partira. Tornou-se mais reservado, introspectivo, como se a proximidade
com a finitude o tivesse forçado a encarar o vazio que antes ignorava. Nas idas
frequentes ao hospital, conheceu António, um frade franciscano cuja calma
profunda o desconcertou. O que começou como uma curiosidade intelectual evoluiu
para uma inquietação espiritual. Yoshi, o cético, sentiu-se atraído por algo
que não podia explicar. Deixou tudo — carreira, amigos, a vida que conhecia — e
partiu para Assis, a cidade de São Francisco, em busca de respostas.
Dez anos depois, Yoshi já
não existia. Em seu lugar, o irmão Adso, um mestre franciscano, moldado pela
disciplina, pela contemplação e por uma fé que ele próprio jamais imaginara
abraçar. Regressou a Portugal temporariamente, e foi então que conheceu Carlos,
um jovem cuja admiração pela sua jornada o levou a abandonar tudo para segui-lo
como noviço. Juntos, partilharam momentos de reflexão, silêncios profundos e
diálogos em japonês — uma língua que Adso ensinou a Carlos, como um laço íntimo
entre mestre e discípulo. Quando Assis chamou novamente, Adso levou o noviço
consigo, de volta àquele refúgio de pedra e serenidade onde a sua própria vida
ganhara novo sentido.
Agora, Adso e o irmão
Bernardo — como Carlos se tornara — caminhavam pelos corredores do mosteiro,
suas histórias entrelaçadas com as de outros que ali buscavam redenção. O Yoshi
de outrora, o rebelde da Tuna, ainda ecoava em algum canto daquele homem de
hábito castanho, mas transformado. A doença, a fé e o tempo haviam-no esculpido
numa versão mais profunda, como se a vida, em sua crueza, o tivesse obrigado a
encontrar um propósito que transcendia o riso e a rebeldia.
André Vilaça


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