“O Monstro e o Amigo Fiel”

 

Mais uma noite insone e ruim,
As horas arrastam-se, negras, sem fim.
Deitado na cama, banhado em suor,
Olho ao redor, tomado de pavor.

Tudo me diz que a minha existência
Está perto do fim — é uma evidência.
Do canto mais escuro, preto do armário,
Eleva-se um guincho extraordinário.

O som enervante de algo a pingar
Parece que uma besta feia, a salivar,
Antecipando o prazer da ceia,
Pronta está para atacar na teia.

Se ao menos tivesse à mão,
Uma pistola, uma espada, um canhão,
Haveria como me defender dela,
Oh, céus! Que sombra negra e tão cruel!

Desliza espessa, pegajosa e ominosa,
Sob a luz da janela, medonha e medrosa.
Olhos cruéis, de sangue raiados,
Negros tentáculos, fremindo, agitados.

Bocarra temível de aspecto horroroso,
Eu sei destas coisas — é certo, é penoso.
Pois li em livros, vi nos filmes também,
E desde então tremer nunca parei, ninguém.

Zé e Hugo juraram ao anoitecer,
Que meus temores eram loucos, a perder.
Em breve verão como estavam errados,
Quando encontrarem nossos corpos gelados.

Amanhã, de manhã, Zé há de gritar:
“Que espalhafato foi este a se passar?”
E só então há de compreender,
Que para os gritos havia porquê.

A sua mãe olhará para o Zé e dirá:
“Que terrível maneira de padecer, ah!”
E assentirá com consternação,
Enquanto Zé responde em reflexão:

“Bem feito! Deixaram o meu quarto em confusão.”
Mas quando a vida se aproxima do fim,
Digo adeus ao meu amigo Hugo, enfim.

Deitado ao lado, junto a mim,
O único amigo que tenho no mundo assim.
Está mergulhado num sono profundo,
Muito baixinho ouço-o ressonar no fundo.

Treme-lhe o bigode da barba — estará a sonhar?
Corro à sua cama, começo a gritar:
“Ei! Acorda, seu idiota chapado!
Ficas a dormir enquanto eu sou devorado!”

E o monstro percebe que não estou sozinho,
Há um matolão dormindo pertinho.
Um amigo que impõe respeito,
Se o monstro soubesse, não teria feito.

E o ser monstruoso, temendo o pior,
Sai pela janela, cheio de pavor.
Some-se de vista, correndo a valer,
Do monstro já nada tenho a temer.

Graças ao meu amigo Hugo, amigo fiel,
Escapo do horror, do destino cruel.

Comentários