Mais um capitulo do conto "Siddartha Gautama". - imaginei conhecer uma das minhas personagens fictícias dos meus livros "Dr. Tomás Pinto"

 

                 A luz suave do início da manhã filtrava-se pelas janelas do templo, iluminando o chão de madeira meticulosamente varrido por André.  Era um dia comum, envolto em serenidade, interrompida apenas pelo som ocasional dos passos de turistas curiosos. Quando Zé entrou com Quim Zé, a quietude foi momentaneamente quebrada.
               — O miúdo está entregue, vou-me embora — anunciou Zé, com o seu jeito prático
               .— Adeus, pai! — respondeu Quim Zé, despedindo-se com um sorriso.
             André acompanhou o amigo até à saída com um olhar tranquilo. Ao regressar ao interior do templo, encontrou Quim Zé, ansioso, à espera de instruções.
              — O que faço agora? — perguntou o rapaz.
              André entregou-lhe uma vassoura.
             — Começa por varrer o templo. É uma boa forma de te concentrares e aprenderes o valor da simplicidade.
                   Enquanto o menino varria, André ocupava-se a atender alguns turistas. Mais tarde, dirigiram-se juntos ao salão principal, onde repousava uma magnífica réplica do Buda de Bronze de Nara. Quim Zé observava a estátua com fascínio.
                 — Este Buda é uma réplica do templo de Nara, no Japão — explicou André.
              — Sim, o pai Zé já me contou  — respondeu Quim Zé, sem desviar o olhar.
                Aproveitando a atenção do rapaz, André decidiu ensinar-lhe uma oração budista. Após a primeira tentativa, Quim Zé sorriu e disse:  
              — O pai Zé quer que eu aprenda sobre o Budismo, além do Cristianismo. Ele já me ensinou a oração de São Francisco.
           Juntos, recitaram a prece:
          — Onde houver ódio, que eu leve o amor.
              André entregou a Quim Zé um terço budista, sugerindo que o usasse nas suas orações diárias. Oraram juntos diante do Buda, com o menino a imitar os gestos do mestre.
                 Quando Zé regressou para buscar o filho, encontrou-os em perfeita harmonia. Quim Zé despediu-se de André com entusiasmo.
            — Até amanhã, pai André!
             André sorriu.
           — Até amanhã, pequeno Bhikkhu.
            Na manhã seguinte, enquanto André varria novamente o templo, um homem bem vestido, com barba espessa e óculos redondos, entrou acompanhado da esposa. Cumprimentou André com um sorriso educado.
             — Bom dia, o mosteiro está aberto?
            — Está, sim. Seja bem-vindo — respondeu André, indicando a entrada com um gesto.O homem fez uma vénia respeitosa.
               — Eu refugio-me em Buda.
             — Eu refugio-me em Buda — repetiu André, notando o conhecimento básico do visitante sobre a prática budista.
           — Vejo que compreende um pouco da nossa religião.
              — Sim, viajei muito por países asiáticos e aprendi o básico — disse o homem, apresentando-se.
              — Sou Tomás Pinto
            .— André Vilaça — respondeu o monge, apertando-lhe a mão
          .— Confesso que esperava encontrar um monge oriental. Fiquei surpreendido ao saber que há um português.
            André riu.
               — Seria ainda mais surpreendente encontrar um monge indiano, considerando que Buda era indiano.
              Tomás sorriu, visivelmente interessado.
            — Não conheço a fundo a história de Buda, mas lembro-me de ver o filme O Pequeno Buda. Conhece?
              — Foi esse filme que me levou ao Budismo — confessou André, com sinceridade.
                 — A sério? — disse Tomás, surpreso. — Que coincidência fascinante!
                André ofereceu-se para mostrar o templo, e Tomás aceitou com entusiasmo. Durante o passeio, descobriram interesses em comum. Tomás era psicólogo no Porto, e André revelou a sua experiência no Japão após o acidente que mudara a sua vida.
             De repente, Tomás interrompeu-o com um tom de reconhecimento:
             — Tu és o escritor André Vilaça! Escreveste Talvez Fosse Magia!
               André riu, meio desconcertado.
              — Sim, sou eu.
                 Tomás olhou-o com admiração.
                — Eu sou o Dr. Tomás, o psicólogo mencionado no livro.
             André ficou surpreendido. — Finalmente conheço o verdadeiro Dr. Tomás! O Lorenzo falava sempre de ti como uma figura paternal.
           — Mesmo sendo quase da mesma idade — brincou Tomás, rindo.
                Trocaram histórias sobre Lorenzo e Yui, personagens do livro de André que, na verdade, eram baseados em pessoas reais. Tomás mencionou a sua admiração por como André transformara a história numa obra tão sensível.
             — Pouca gente acredita que Yui e Lorenzo realmente existiram — disse André.
             — Mas o e-mail que recebi dele a pedir que escrevesse a história foi um dos momentos mais marcantes da minha vida.
              Tomás concordou, com um tom melancólico.
            — O que aconteceu com Yui foi muito triste.
            — Foi, sim — respondeu André, pensativo.
             Antes de partirem, Tomás sugeriu tirarem uma foto juntos, para que André pudesse mostrar aos amigos que o Dr. Tomás não era uma personagem fictícia. Com a ajuda da esposa de Tomás, registaram o momento.
            Enquanto olhavam para a foto, Tomás voltou a atenção para André.
              — Fala-me de ti, André. O que te trouxe até aqui?
             André hesitou antes de responder:
            — Tenho 59 anos e um filho que foi criado pelo meu melhor amigo. Somos praticamente desconhecidos um para o outro; para ele, sou apenas o tio André.
               Tomás franziu a testa.
             — Isso deixa-te triste?André suspirou.
              — Já deixou. Mas percebi que o Zé cuidou dele com amor enquanto eu estava no mosteiro em Nara. Não seria justo exigir que o meu filho mudasse de vida para viver comigo.
             — E quanto à tua esposa? Ainda te culpas pelo que aconteceu? — perguntou Tomás com delicadeza.
                André ficou em silêncio por um momento antes de responder:
            — Se tivéssemos ficado em Tóquio, nada teria acontecido. Mas eu estava ansioso para ver o Buda de Bronze. Chamo isso de curiosidade, não ganância.
                Tomás assentiu.
                — O Buda de Bronze é realmente magnífico. Já estive lá algumas vezes.
              André sorriu.
             — Rezei muitas vezes diante dele, como aprendiz e, depois, como mestre.
             Tomás levantou uma sobrancelha.
              — Mestre?
               — Sim, o termo original é Bhikkhu, como Buda chamava os seus aprendizes
             — explicou André.
               Os dois trocaram olhares de compreensão, cientes de que, apesar das suas diferentes trajetórias, partilhavam uma conexão única: a busca por entendimento e serenidade no meio das dificuldades da vida.Com despedidas respeitosas e a promessa de se falarem novamente, André e o Dr. Tomás Pinto seguiram os seus caminhos, cada um levando consigo mais uma história para refletir.




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