Mais um capitulo do conto "Siddartha Gautama".
André Vilaça, Mosteiro Budista, Nara, Japão.
Zé Luís, Oliveira do Bairro, Aveiro,6 de agosto de 20….
Meu caro André,
Escrevo-te de uma tarde calma na Murta, enquanto o vento bate suave na
janela do escritório. Lá fora, as cigarras ainda se atrevem a cantar, como se o
verão fosse durar para sempre. Aqui dentro, porém, o que me ocupa não é o
calor, mas uma história que preciso contar-te — porque és parte dela, mesmo que
não estivesses presente.
Estava eu às voltas com um texto que teimava em não sair, o cursor a piscar
no ecrã como quem me desafiava, quando ouvi lá de baixo a voz de Quim Zé:
— Suba, padrinho!
Passos apressados na escada, porta aberta, e lá estava ele, ofegante mas
com aquele sorriso de sempre, meio menino, meio rapaz feito. Antes que eu
dissesse palavra, atirou:
— Lembras-te de teres dito que ias comigo ver o Luke Combs se ele viesse ao
Porto?
Fiz-lhe o sermão habitual — primeiro se pergunta como está o padrinho,
depois se fala de concertos — mas ele já tinha os olhos a brilhar de tal
maneira que não havia protocolo que lhe travasse a língua.
— Ele vem!, disse. Vai fazer um concerto no Rosa Mota. O pai oferece
os bilhetes.
Respeitei o teu gesto, mas disse-lhe:
— Prometi, e vou cumprir. Os bilhetes são por minha conta.
Mais tarde, na sala, contei a história ao Hugo e ao David. O Hugo, de
imediato, lembrou-se:
— Essa é a do boné?
E sim, era. O Quim Zé, nesse dia, apareceu no Rosa Mota equipado dos pés à
cabeça: t-shirt, chapéu, e uma cartolina onde se lia “Luke, oferece-me o teu
boné!”. Eu avisei-o de que no meio de tanta gente o cantor nem o iria ver. Ele,
teimoso como nós, quis levar a placa na mesma.
O concerto foi uma festa, mas o melhor veio no fim. No meio do aplauso
final, olho para o lado... e o rapaz tinha desaparecido. Confesso, fiquei em
pânico. Andei pelo pavilhão a chamá-lo até que o vi voltar, com um sorriso tão
grande que quase lhe pesava na cara. E na cabeça... o boné do Luke Combs.
Soube depois que, nos bastidores, o Luke passou com a esposa, viu-o
sozinho, e sem dizer palavra colocou-lhe o boné na cabeça antes de seguir
caminho. Simples assim. Um gesto rápido, mas que para o Quim Zé vale mais do
que qualquer autógrafo.
Hugo, claro, não perdeu a piada:
— Desde então, anda com aquele boné como se fosse o Santo Graal.
E é verdade. Não há dia que não o veja com o boné, e sempre que me fala de
ti, é com a mesma admiração com que fala do Luke. É bonito ver como certas
paixões e gestos passam de pai para filho — e, de vez em quando, até de
padrinho para afilhado.
André, não sei se aí no mosteiro tens rádio ou internet, mas se ouvires o
Luke Combs, lembra-te desta história. Talvez te faça sorrir. Talvez até te
lembre que, mesmo longe, há um pedaço teu que continua a subir escadas
apressado para anunciar boas novas.
Da Murta, envio-te um abraço longo e sincero,
Zé Luís
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