O Conto "o dia a dia do Bruno-san no Japão" - de André Vilaça
Durante meu intercâmbio de Erasmus no Japão, eu não era exatamente o modelo de beleza padrão. Tinha cabelo curto, usava óculos azuis de armação grossa e mantinha uma barba bem aparada. Na faculdade em Ota, eu me destacava por ser o único gordo da turma, o que já me tornava alvo fácil. Mas havia outro tipo com o mesmo perfil físico que eu: o temido “G”, apelidado de “Gorila” desde o jardim de infância, segundo meu amigo Takeshi. O G era o valentão clássico, aquele tipo que comandava o bairro como se fosse um chefe de gangue. Todos o obedeciam sem questionar, movidos pelo medo que ele inspirava.
Eu, porém, nunca engoli essa dinâmica. Na primeira vez que o enfrentei, acabei dentro de um caixote de lixo da confeitaria da faculdade. Fiquei lá, preso por horas, sem que ninguém ousasse me ajudar, simplesmente porque temiam a fúria do G. Era frustrante ver que, mesmo aos 16 anos, os outros continuavam reféns daquele idiota. Quando eu já estava quase desistindo de qualquer resgate, Takeshi, o filho da família que me hospedava, apareceu. Com um sorriso tranquilo, ele estendeu a mão e disse:
— Ei, Bruno-san, precisa de uma ajuda?
Aceitei, aliviado, e fiquei impressionado com a coragem dele. Takeshi era o oposto do G: carismático, adorado pelas raparigas da faculdade e, de certa forma, me lembrava uma versão realista do Jiro, de Mazinger Z. Ele foi o único que não se curvava ao G e, mais importante, me ensinou a enfrentá-lo. Claro, isso significava que, de vez em quando, eu e Takeshi terminávamos juntos no caixote de lixo, mas pelo menos agora eu tinha companhia.
Minha rotina em Tóquio era marcada por essa tensão. O G e seus capangas me perseguiam da faculdade até a casa onde eu morava, geralmente porque eu não resistia e respondia às provocações no pior momento possível. Em casa, me escondia, ouvindo as ameaças do G ecoarem do lado de fora, prometendo me dar uma coça se eu aparecesse. Só saía quando a Sra. Minamoto, a mãe da família que me acolhia, me obrigava a fazer compras. Nesses momentos, eu observava cada esquina para evitar um encontro com o G e seus seguidores. Por sorte, na faculdade, ele parecia ter memória curta e, na maioria das vezes, já tinha esquecido suas próprias ameaças.
Apesar disso, eu gostava da vida que construí no Japão. Minha rotina era simples: voltar para casa, trocar de roupa, tomar um lanche, fazer os trabalhos da faculdade e sair para um passeio com os amigos. Takeshi, no entanto, sempre estragava meus planos. Ele fazia parte de um grupo da nossa turma que incluía Suneo, o riquinho que se achava o galã do bairro. Suneo tinha casas espalhadas pelo Japão e uma em Nova York, onde planejava morar após os estudos. Ele adorava se admirar no espelho, proclamando o quanto era charmoso. Graças a ele, passamos férias de verão inesquecíveis em sua casa numa praia numa ilha japonesa. Certa vez, mentimos para o Sr. Minamoto, dizendo que a mãe do Suneo iria conosco, mas fomos sozinhos. O plano ruiu quando a Sra. Minamoto encontrou a mãe do Suneo no supermercado. Resultado: um mês de castigo.
Também havia o Okinawa, que ajudava os pais na mercearia da família, fazendo entregas de bicicleta pelo bairro de Ota. E, por fim, o Naruto — cujo nome não vinha do mangá de Masashi Kishimoto, mas da ponte Ohnaruto, que liga Kobe a Naruto, em Tokushima, de onde seu pai havia migrado para Tóquio. Certa noite, ao chegarmos atrasados em casa, a Sra. Minamoto nos deu um raspanete, mas Takeshi, com seu jeito encantador, acalmou a situação. Depois, fomos para o quarto estudar.
Cada bairro de Tóquio tinha seu clube de beisebol, e o nosso, previsivelmente, era liderado pelo G. Ele era o treinador e, se perdêssemos, nos perseguia com o bastão na mão. Quando ganhávamos — o que era raro —, ele chorava, elogiando a “grande equipe” que tinha. Jogávamos num campo simples à beira do rio, e, apesar de tudo, aqueles foram alguns dos melhores momentos da minha adolescência. As vitórias eram poucas, mas quando aconteciam, eram uma festa.
Como disse o ator Simon Pegg, o melhor amigo costuma ser o tipo gordo. E eu era exatamente isso: o gordo que nenhuma garota notava, mas que tinha a sorte de ser amigo de Takeshi Minamoto, o galã da faculdade. Ele não só me tirou do lixo — literalmente — como me mostrou como enfrentar os valentões e aproveitar a vida, mesmo com todas as suas complicações.
André Vilaça
Comentários
Enviar um comentário