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O Conto O Mitohiro o Gato Monge ( baseado numa historia verdadeira)
Era uma manhã de abril, e os primeiros sinais da primavera já se faziam notar nos jardins. A neve que cobria o solo durante o rigoroso inverno desaparecia aos poucos, abrindo espaço para os novos rebentos da estação. Para Okinawa, um jovem monge budista há apenas um mês, o calor era mais que bem-vindo. As noites ainda eram marcadas por geadas, e o frio teimava em dificultar as tarefas cotidianas no templo.
Okinawa era o único monge anafado de seu grupo. Ele havia entrado para a vida monástica no Ano Novo, cumprindo uma promessa feita ao Buda de Bronze daquele templo. Seu pai, que enfrentava uma longa enfermidade, havia se recuperado após suas orações sinceras, e Okinawa decidiu honrar sua palavra.
Agora, ele vestia o quimono preto sobre o laranja, típico dos monges, com a cabeça raspada e o olhar sereno. O único vestígio de sua antiga vida eram seus óculos, que o permitiam enxergar os delicados rebentos da primavera e os campos ao longe. Todas as manhãs, acompanhava seu mestre, Mitashiro Hata, até as aldeias próximas para abençoar os moradores e ensinar os preceitos de Buda.
Mitashiro era um homem sábio, com cinquenta anos e um hábito peculiar de acordar antes de todos os outros monges para explorar a biblioteca do templo. Ele era fascinado por livros antigos, especialmente aqueles do período Edo, mesmo os que eram considerados impróprios para leitura. Foi sob sua orientação que Okinawa começou a aprender o significado mais profundo do karma e a arte da compaixão.
Em uma dessas caminhadas matinais, enquanto seguiam pela trilha até a aldeia mais próxima, Okinawa notou algo curioso entre os arbustos.
— Mestre, venha ver! — chamou ele, animado.
Mitashiro se aproximou, franzindo o cenho.
— O que foi, meu aprendiz?
Okinawa apontou para um pequeno gatinho magro e assustado, escondido para se proteger do frio.
— É um gatinho, mestre. Podemos cuidar dele até que seja forte o suficiente para seguir seu caminho?
Mitashiro observou o pequeno animal por um momento e sorriu.
— Buda valoriza todas as formas de vida, meu jovem. Sim, podemos levá-lo conosco.
De volta ao templo, o gatinho rapidamente se tornou a atração entre os monges mais jovens. Curiosos, eles cercaram Okinawa e o pequeno hóspede.
— Qual será o nome dele? — perguntou um deles.
Okinawa olhou para o bichinho, que já parecia mais relaxado em seus braços.
— Vou chamá-lo de Mitohiro.
Os outros monges aprovaram com entusiasmo.
— Sim, é um bom nome!
Nos anos que se seguiram, Mitohiro se tornou uma presença constante e especial no templo. O gatinho cresceu, mas manteve um comportamento peculiar. Todas as manhãs, ao despertar, ele caminhava sozinho até o grande templo onde ficava a estátua do Buda de Bronze. Lá, deitava-se com as patas juntas, fechava os olhos e parecia meditar em silêncio.
Os visitantes que passavam pelo mosteiro ficavam encantados com a cena. Alguns acreditavam que Mitohiro era a reencarnação do próprio Buda, vindo ao mundo na forma de um gato para transmitir serenidade e paz.
— Mitohiro, é hora de comer — chamava Okinawa, sempre com um tom gentil.
Antes de segui-lo, Mitohiro fazia uma pequena reverência ao Buda, como se pedisse permissão, e só então se juntava aos monges para a refeição. Ele recusava a comida oferecida pelos visitantes, preferindo voltar para o templo e dividir o que os monges preparavam.
Com o tempo, Mitohiro tornou-se um símbolo de devoção e sabedoria. Ele vivia como qualquer outro monge, respeitado por todos os que o conheciam e inspirando os que vinham de longe apenas para vê-lo.
Assim, Mitohiro permaneceu no templo até o fim de sua vida, deixando uma marca de felicidade e serenidade naqueles que cruzaram seu caminho. Ele foi, até o último momento, um verdadeiro monge entre os monges.
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