A Deusa e o Reino de Portugal

 
Vênus, a Deusa do amor e da beleza, sempre olhou para Portugal como sua pátria escolhida. Chamava-o de terra de guerreiros lendários e de um povo valente. Desde a queda do Império Romano, ela havia fixado seu olhar nesta terra, abençoando os feitos de heróis como o pastor-rei Viriato, o primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, e o inabalável Condestável, D. Nuno Álvares Pereira. Sob seus auspícios, esta pátria valente se tornaria símbolo de resistência, coragem e fé. Mas Vênus, em tempos futuros, seria conhecida por outro nome: Nossa Senhora da Conceição, a padroeira de Portugal.
Foi Vênus quem, segundo se dizia, guiou Portugal além-mar, rumo às terras e aos novos mundos. Luís Vaz de Camões cantou em versos sublimes como foi ela que desafiou o deus Baco e conduziu os navegadores lusitanos à Índia. No coração do Douro, eram ainda as ninfas de águas profundas que, em seus sussurros místicos, inspiravam poetas, guerreiros e reis a continuar sua jornada.
E é entre esses relatos lendários que surge outra história. Uma noite, um cavaleiro misterioso, envolto num manto negro que escondia seu rosto, chegou ao Mosteiro das Carmelitas em Lisboa. Montava um cavalo ainda mais negro, que parecia emergir das sombras da noite. Quando os frades o avistaram, murmúrios de medo e surpresa se espalharam pelo mosteiro.
— Mas... é o rei de Espanha, D. João I! — alguém sussurrou, enquanto o homem desmontava com uma autoridade que não admitia questionamentos.
Com um sorriso enigmático, o rei idoso seguiu em frente. O chefe dos frades, reverente, aproximou-se, beijando-lhe as mãos.
— Majestade, em que posso servi-lo? — perguntou com uma voz marcada pelo respeito.
— Quero ver o frade que chamam de Santo.
O frade inclinou a cabeça em concordância e conduziu o rei pelos corredores austeros do mosteiro. Chegaram à cela onde o Santo Condestável, D. Nuno Álvares Pereira, rezava em profunda devoção. Ao tentar abrir a porta, o frade foi interrompido por um gesto brusco do rei.
— Deixe-me — ordenou ele, empurrando o religioso de lado.
Com um movimento firme, entrou na cela. D. Nuno permanecia ajoelhado, as contas do terço entre os dedos e o olhar fixo no altar simples diante dele. Sem pressa, levantou a cabeça, e quando reconheceu o visitante, sorriu com serenidade.
— Estás na mesma — disse, com voz calma. — Apenas mais velho.
O rei de Espanha tirou o capuz, revelando um rosto marcado pelo tempo e pela amargura de derrotas jamais esquecidas. Aproximou-se lentamente, os olhos fixos no homem que outrora o humilhara.
— Eu ainda sonho contigo — começou, com uma voz pesada. — Cavalgando na batalha, envolto em tua armadura reluzente, erguendo o estandarte com a cruz de Deus... teus olhos... pareciam os de um demônio, brancos como os de um anjo vingador. Nunca ninguém me olhou daquele jeito. Meu Deus, que ódio havia ali!
      D. Nuno riu levemente, o som ecoando com inesperada leveza naquele ambiente carregado.
       — Sua Majestade cruzou terras distantes apenas para falar de sonhos? Dos meus olhos, quando eu ainda era um jovem sonhador? Não foi por isso que veio, pois não?
       — Não. — O rei hesitou, mas sua voz recuperou a firmeza. — Tenho uma pergunta.
       — Então faça-a.
       Por um instante, o rei pareceu perdido em seus próprios pensamentos. Encarou o homem à sua frente, não mais o frade humilde, mas o comandante invencível que, aos 26 anos, humilhara o maior exército da Espanha em Aljubarrota. Finalmente, a pergunta veio, carregada de um desafio:
       — Tenho um exército poderoso, que está à minha disposição. Se eu ordenar que ataquem Portugal, liderando-os novamente... o que aconteceria?
       O Santo Condestável sorriu. Um sorriso calmo, mas carregado de significado. Sem dizer nada, levantou-se e, com um movimento deliberado, removeu a bata castanha de frade, revelando o brilho de uma armadura escondida por baixo. Aquela mesma armadura que já liderara homens à vitória em tempos passados.
       O rei de Castela observou em silêncio enquanto D. Nuno ajustava a postura, agora mais imponente e decididamente guerreiro. Foi então que o Santo respondeu:
— Então, por Deus, voltarei a lutar. Voltarei a lutar pelo meu reino, pelo meu rei. Esta é a minha resposta.
       O silêncio que se seguiu era quase palpável, pesado como o aço das espadas que um dia haviam cruzado o campo de batalha. O rei de Castela, derrotado novamente, desta vez por palavras, apenas assentiu. Talvez soubesse, no fundo, que Portugal nunca poderia ser conquistado enquanto homens como aquele respirassem sob seu céu.
     E assim, a lenda do Santo Condestável permanecia viva. Não apenas como um frade dedicado a Deus, mas como o eterno defensor de sua pátria.




 

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