Um conto de Natal chamado Um "filler" da minha vida.

 

Um "filler" é um termo que os fãs de anime, especialmente os falantes de português, usam para descrever episódios ou até arcos inteiros de uma série cujo enredo não segue a história original do mangá. E por que isso importa? Porque este conto de Natal é um filler da minha própria vida.

Tudo começou quando o Zé aceitou o meu convite para passar o Natal com a família Vilaça. Sem sombra de dúvida, minha mãe ficou exultante com a notícia. Ela prontamente arrumou um prato a mais na mesa que, comprada na IKEA e sempre capaz de fazer milagres, conseguia acomodar todos nós — e já éramos oito!

Ah, o Zé! Ele era um sopro de alegria, aquele tipo de pessoa que trazia um sorriso até ao rosto mais triste. Tinha uma aparência inconfundível: um pouco anafado, cabelos pretos claros que, com o tempo, já exibiam suíças brancas, e aqueles olhos castanhos sempre brilhantes atrás dos óculos. Sua vestimenta nunca mudava, independente do tempo: camisa e calças de ganga.

Onde quer que fosse, todos o cumprimentavam. "Como vai, meu caro José? Quando terei o prazer da sua visita?" E ele, sempre gentil, respondia com sua voz calorosa: "Talvez eu passe por sua casa um dia. Tenha um bom dia!" Mendigos se animavam ao receber uma moeda do Zé, e todas as crianças, com olhos arregalados de admiração, sempre perguntavam as horas para ele. Sim, o meu amigo Zé era querido por toda a cidade de Oliveira do Bairro.

E então, um dos dias mais esperados do ano chegou: a Véspera de Natal. Eu estava na sala, entretido com a televisão, enquanto minha mãe, ocupada na cozinha, não deixava ninguém entrar. Era proibido — não queria que nenhum espertinho tentasse roubar um docinho antes da ceia. Aqueles doces eram sagrados, reservados para a nossa noite especial.

Foi então que a campainha tocou, e uma voz calorosa ecoou pela casa:
— Feliz Natal, família Vilaça! Que Deus os abençoe!

Era o Zé, que entrou com o rosto corado do frio e da corrida. Seu semblante, sempre redondo e simpático, estava ruborizado. Os olhos brilhavam, e, ao falar, seu hálito quente transformava-se em uma pequena nuvem de vapor.

— Precisam de mim? — ele perguntou. — Neste Natal, quero ser útil, fazer algo que Deus me recompense por ser assim.

Meu pai saiu do quarto aplaudindo a generosidade do Zé, enquanto minha mãe e minha irmã estendiam a mesa com um brilho de satisfação. Já meu irmão, Paulo, enrolado num cachecol que sua namorada Marina havia lhe dado de presente, estava à mesa com um garfo espetado nas batatas, a pregar que todos deviam adotar uma alimentação vegan. Mas minha irmã, com a alegria própria da época, lhe respondeu sorrindo enquanto colocava os pratos:

— Relaxa, irmão. É Natal.

E assim, nossa noite começou em meio a risos, alegria e o espírito natalino. Nesse momento, os últimos Vilaça chegaram, acompanhados de esposas e namoradas, exclamando assim que cruzaram a porta:

— Já se sente o cheiro do bacalhau! Ah, o bom e velho bacalhau de Natal!

Assim que entraram, cumprimentaram o Zé e o restante da família com entusiasmo. A música de Natal tocava no DVD e Blu-ray, e em pouco tempo, todos estavam a dançar, embalados por aquela atmosfera festiva e cheia de vida.

Na cozinha, minha irmã tentava ajudar o meu irmão a preparar o bacalhau com batatas, ao mesmo tempo em que espantava todos que tentavam roubar as rabanadas e sonhos antes da hora. Então, ela foi até a entrada da cozinha e perguntou à sala cheia:

— Falta alguém da nossa família? No ano passado todos chegaram cedo!

— Não falta ninguém, querida! Volta para dentro, está tudo aqui! — respondeu um dos tios.

Logo depois, me aproximei do Zé e perguntei:

— Zé, que tal dar uma volta no quarteirão?

Ele prontamente aceitou, levantando-se com um sorriso. Pegamos nossos casacos e saímos para um passeio breve. Ao abrir a porta da rua, sentimos um vento gelado que nos percorreu a espinha.

— Que frio! — exclamou o Zé, arrepiado.

— Vamos, isso nos faz bem! Dizem que o frio é revigorante, sabia? — eu respondi, tentando animá-lo.

O Zé fez uma careta, brincando:

— O problema é que eu não sou chinês para me acostumar com isso!

No caminho, encontramos uma mulher pedinte, que nos seguiu, pedindo uma moeda e repetindo, quase como uma oração, que era Natal. Eu desviei o olhar, fingindo não ouvir. Mas o Zé parou, abriu a carteira e tirou uma nota de dez euros, entregando-a para ela com um sorriso gentil:

— Pegue, senhora. Aleluia nos céus e paz na terra aos homens de boa vontade. O Salvador nasceu!

A mulher agradeceu emocionada:

— Muito obrigada, bom homem de coração generoso.

Ela entrou no café próximo e, de lá, chamou dois filhos pequenos que estavam escondidos. Comprou comida e a dividiu entre eles. Seguiram seu caminho, e eu, tocado pela cena, senti que algo especial havia acontecido. Afinal, era véspera de Natal, e aquele pequeno gesto de bondade parecia tornar a noite ainda mais mágica.

O crepúsculo caiu sobre a cidade de Lordelo do Ouro, e um leve nevoeiro cobria o nosso caminho enquanto eu e o Zé caminhávamos de volta. A neblina era tão densa que quase não enxergávamos nada à nossa frente. Então, avistamos um lampião que parecia caminhar em nossa direção. Ao nos aproximarmos, ele fez uma vênia e, com um gesto silencioso, nos convidou a segui-lo.

Para mim, parecia que estávamos vivendo um filme dos estúdios Ghibli, com um toque de magia no ar. O lampião guiou-nos até a porta do meu andar. Chegando ali, o Zé se virou e agradeceu:

— Muito obrigado, seja lá quem você for.

O lampião fez uma nova vênia e seguiu caminho pela rua acima, desaparecendo na neblina. Peguei as chaves, abri a porta e entramos. A casa estava quente e acolhedora, um verdadeiro refúgio do frio lá fora.

Tiramos os casacos, e o Zé, feliz e cheio de gratidão, foi para a sala cheia de gente, dizendo com seu jeito caloroso:

— Boas noites, pessoal! Vou fazer uma ligação rápida para a família e depois me preparo para a ceia.

Após pedir licença, o Zé seguiu-me até o meu quarto. Lá, tirou um casaco de cerimônia e o vestiu, ajeitando uma gravata com a estampa de Darth Vader que exibiu com um sorriso constrangido.

— Foram meus sobrinhos que me deram essa gravata — disse ele, fazendo uma careta engraçada.

Eu vesti minha camisola de Natal, coloquei um gorro, e esperei que o Zé terminasse suas ligações. Foi então que ouvimos minha mãe anunciar que a ceia estava pronta. Zé despediu-se da família por telefone e pediu para deixar o celular no meu quarto. Descemos juntos, com uma alegria crescente.

A mesa de Natal estava mágica. Todos se reuniam ao redor, já saboreando os pratos que enchiam a mesa. Com um sorriso animado, Zé pediu:

— Com a vossa licença.

Meu sobrinho Filipe, do outro lado da mesa, acenou:

— Sente-se, Zé. Ainda temos espaço para vocês dois!

Zé sorriu e respondeu com gratidão.

— Muito obrigado! E Feliz Natal... Filipe, não é?

— Sim, feliz Natal, Zé!

Minha mãe trouxe o bacalhau com batatas, minha irmã Marta serviu carne assada para quem preferia, e meu irmão Paulo trouxe uma opção vegan. Com todos acomodados, o Zé ergueu seu copo e pediu um instante:

— Um minuto, por favor.

Todos se voltaram para ele, atentos, e Zé, sorrindo, sugeriu:

— Vamos dar graças por estarmos juntos neste Natal maravilhoso.

Todos os Vilaça concordaram, e meu pai perguntou ao Zé:

— Quer ser você a dar as graças, Zé?

— Sim, com prazer.

Demos as mãos e rezamos em silêncio. Depois, Zé levantou o copo e agradeceu:

— Quero agradecer aos Vilaça por me receberem neste Natal. — Ele fez uma pausa, sorrindo. — Quero também dar graças à minha família e ao nosso amigo Hugo, que enfrenta um momento difícil, mas com a graça de Deus tudo se resolverá. Feliz Natal a todos!

— Vamos comer! — exclamou o Marco.

Batemos os copos com alegria e começamos a ceia. Nossa festa durou até tarde. A certa altura, Zé olhou o relógio e percebeu que já era bem tarde. Minha mãe, vendo-o preparar-se para sair, sugeriu:

— Não prefere dormir aqui?

Zé aceitou com um sorriso.

— Se não for incômodo... aceito, sim.

Na manhã seguinte, o Zé acordou no sofá, notando que todos ainda dormiam. Lá fora, o sino da igreja tocava:

Ding dong, dong boum! ding dong, bong boum!

Zé correu até a janela, abriu-a, e deixou o rosto sentir a brisa fresca daquela bela manhã de Natal. Na rua, viu Manuel, o filho do nosso vizinho Licínio, mexendo no telemóvel, e perguntou:

— Ei, rapaz! Em que dia estamos hoje?

Manuel olhou para ele, intrigado:

— Está brincando, senhor?

— Não, não! — insistiu Zé, com um sorriso. — Em que dia estamos?

Manuel respondeu, rindo:

— Ora, ora, é manhã de Natal, senhor!

O Zé voltou para a sala com um sorriso contagiante e gritou, acordando a família inteira:

— Acordem! É Natal! Vamos ver os presentes!

Eu entrei na sala, ainda com sono. Zé pegou minhas mãos e, alegremente, começou a dançar comigo. Logo, todos na família estavam reunidos, e nos sentamos ao redor da árvore para abrir os presentes. Em um momento de inspiração, Zé virou-se para todos nós e sugeriu:

— Vamos repetir todos juntos o que o pequeno Tim disse no final do “Conto de Natal” do Charles Dickens!

Todos se entreolharam, surpresos.

— O quê? Quem? — minha família perguntou, confusa.

— O pequeno Tim, do Conto de Natal — expliquei, olhando para o Zé. — E o que foi mesmo que ele disse?

Zé sorriu, e com uma voz suave, disse:

— Ele disse, “Que Deus abençoe a cada um de nós”.

Com emoção, todos nós repetimos em uníssono:

— Que Deus abençoe a cada um de nós.

Fim



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