Um capitulo do conto "Siddartha Gautama".

 

    O bar estava animado, repleto de estudantes universitários que aproveitavam a noite para conversar e descontrair. Quim Zé, com um sorriso nos lábios e os olhos brilhando de curiosidade, dirigiu-se ao seu padrinho:
          - Padrinho, conta-me outra vez como foi a vossa primeira viagem à Índia. - O pedido era feito com uma sinceridade que arrancava sorrisos de todos à volta. - Eu adoro essa história.
         Zé, o padrinho de Quim Zé, inclinou-se na cadeira, tomando um gole da cerveja antes de começar a falar. O bar parecia se aquietar levemente, como se todos os presentes soubessem que uma grande narrativa estava prestes a ser contada.
           - Foi no dia em que o teu pai soube que ias nascer - começou Zé, sua voz carregando um toque de nostalgia. - Ele estava tão contente... Lembro-me como se fosse ontem. Um dia, ele veio ter comigo e ao Hugo, e perguntou-nos se queríamos ir à Índia. Disse aquilo com a naturalidade de quem fala de uma ida ao mercado, como se a Índia fosse ali ao lado. Mas havia algo mais profundo naquela proposta... Ele queria encontrar a sua fé, e para ele, tinha de ser na Índia, o lugar mais espiritual que conhecemos.
            Um dos amigos de Quim Zé, visivelmente intrigado, interrompeu:
          - Não é Jerusalém? Fátima talvez?
           Zé balançou a cabeça com um sorriso compreensivo, mas decidido.
           - Não, não. O lugar mais espiritual que conheço, e estive lá, é a Índia - continuou ele, com a convicção de quem viveu a experiência. - Tanto que nos convenceu. Eu falei com o Hugo e dissemos que sim.
               Quim Zé, mais uma vez tomado pela curiosidade, perguntou:
           - Como é a Índia, padrinho?
            Zé olhou para o afilhado com uma expressão que misturava saudade e sabedoria adquirida.
         - Pobre num país rico, como vos falei, muito espiritual. Fizemos com o teu pai uma peregrinação pelos locais onde Buda andou e pregou - Zé sorriu ao lembrar-se. - Falamos com mestres, gurus, budistas... Eu, pelo menos, aprendi muita coisa com eles. Muito sobre o meu ser espiritual, sobre Deus.
            Os amigos de Quim Zé, jovens e impetuosos, queriam mais. Queriam histórias que fossem além das reflexões profundas.
           - Deus?! Fale-nos de coisas mais interessantes da viagem - disseram, num misto de provocação e curiosidade.
            Zé encarou os rapazes, com um olhar firme mas não severo.
        - Que há de mais interessante do que descobrir o nosso "Eu"? A nossa fé? Claro que não deixei de ser cristão, mas redescobri Deus ao falar com aqueles mestres e gurus budistas - sua voz assumiu um tom mais sério, convidando todos à reflexão.
            Depois de uma breve pausa, Zé compartilhou um episódio que parecia ainda mais significativo.
           - Os teus avós iam fazer 50 anos de casados, e o teu pai ia ler algo da Bíblia na celebração. Foi então que o teu tio Paulo perguntou: "Tu, um budista convicto, vais ler algo da Bíblia?" E o teu pai respondeu com a sabedoria que só alguém que realmente entendeu a fé poderia ter: "Irmão, é por essas perguntas que começam as guerras entre religiões. Porque um budista não pode ler algo de um cristão e vice-versa?"
              Zé, visivelmente cansado, tomou o último gole de sua cerveja e anunciou que ia para casa. A narrativa, rica e envolvente, deixara todos em silêncio, refletindo sobre as palavras do padrinho. Quim Zé, decidido a continuar a conversa, levantou-se e seguiu o padrinho. E assim, os dois, padrinho e afilhado, caminharam pelas históricas ruas de Bragança, partilhando a sabedoria de gerações.


                                             

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