One ring to rule them all de André Vilaça

  

          Só quem é fã dos livros do J.R.R. Tolkien vai entender este conto élfico sobre dois amigos e um anel. Mas não era um anel qualquer, e sim o anel do poder, forjado por Celebrimbor e seus seguidores, guiados por Sauron. Pelo menos, foi assim que eu e o meu amigo Zé o imaginávamos quando o encontramos numa feira de usados.

           Aquele anel foi nos consumindo desde o primeiro momento em que o vimos. O dono, um homem de olhar astuto, continuava a dizer que ele tinha vindo da Nova Zelândia, diretamente dos estúdios onde Peter Jackson realizou a trilogia O Senhor dos Anéis. O Hugo, nosso outro amigo, não deu muita importância à história do homem e continuou sua visita pela feira, mas eu e o Zé ficamos completamente maravilhados com o anel. Estava escrito no alfabeto Tengwar, em versos na língua proibida de Mordor, o que nos deixou ainda mais fascinados.

           O problema era o preço. O anel era caro demais. Mas o poder dele era traiçoeiro, e fomos consumidos pelo desejo de possuí-lo. Juntamos o dinheiro que tínhamos e o compramos. "Meu precioso", foi o que Hugo ouviu saindo de nossas bocas enquanto saíamos da feira.

Eu queria segurar o anel, mantê-lo comigo, observá-lo, tocá-lo, porque era meu precioso, só meu. Mas o Zé não deixava. Acariciava o anel e sussurrava para si mesmo, convencendo-se de que era "o seu precioso" e que ninguém mais podia tocá-lo. Hugo, vendo nossa obsessão, pegou o anel, fotografou-o, e depois o devolveu para um de nós. Como o Zé estava dirigindo, eu fiquei com o anel e o chamei de precioso.

             No dia seguinte, Hugo nos encontrou na cozinha, eu e o Zé lutando pela posse do anel.

           - Zé, André - disse ele, sério - mandei a foto do anel para um amigo que confirmou: ele foi roubado dos estúdios onde foi realizada a trilogia do Peter Jackson. Foram feitos nove anéis, entregues aos atores ao final da trilogia. Mas um décimo anel foi feito para as filmagens de "O Hobbit", e depois foi roubado. Eu acho que esse anel pertence aos estúdios do Peter Jackson.

            Ele pegou o anel de mim e do Zé, mas rosnamos como Gollum e lutamos pelo anel novamente.

          - Vocês ouviram o que eu disse? Vocês estão malucos!

          O anel havia cumprido seu propósito, comandando nossas mentes e nos virando um contra o outro. Naquela noite, entrei no quarto do Zé e o vi dormindo, agarrado ao anel. Como ele poderia me enganar assim? Peguei o anel, mas o Zé não o largou. Eu, consumido pelo poder do anel, sussurrei:

          - Dá-me o meu precioso.

           - É o meu precioso - respondeu Zé, protegendo o anel com as duas mãos - você não ficará com o precioso.

           Hugo, no quarto ao lado, ouviu a confusão e correu para ver o que estava acontecendo. Viu minha cama vazia e correu para o quarto do Zé. Ao nos ver lutando pelo anel, suspirou e voltou para a cama, achando que não era nada importante. Mas, naquele momento, eu consegui arrancar o anel das mãos do Zé. Corri para o banheiro, fechei a porta e admirei meu tesouro, meu precioso... foi quando me vi refletido no espelho, com uma expressão maligna e traiçoeira, como a de Gollum.

            Foi naquele momento que percebi o perigo de perder minha amizade com o Zé por causa do anel. Abri a porta do banheiro e o Zé tentou tirar o anel de mim, mas eu corri para o quarto do Hugo e joguei o anel em sua direção.

            - Hugo, pega o anel e devolve ao Peter Jackson. Prefiro perder o anel do que a amizade com o Zé.

            - Fizeste bem - respondeu Hugo, pegando o anel e guardando-o em um lugar secreto.

             Algumas semanas depois, no escritório de Peter Jackson, o diretor recebeu o anel e uma carta do Hugo contando toda a nossa história maluca. Jackson sorriu ao terminar de ler e olhou para o anel, admirado.

           E foi assim que o Anel do Poder quase me consumiu e me transformou em um Gollum para os meus amigos, especialmente para o Zé. Nunca mais brigamos por causa de um anel. Em outra visita à feira de usados em Aveiro, eu e o Zé encontramos um outro adereço, desta vez de um filme passado no espaço. Hugo, ao perceber nosso interesse, rapidamente nos tirou de lá, dizendo:

            Uma guerra pelo anel já foi suficiente.








 

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