Eskrimador azul - a verdadeira História do primeiro Asperger portugues na arte do kombatan
Eu nunca fui bom no desporto quando era criança, tão pouco fui amante de desporto. Na verdade, o facto de ser o último a ser escolhido na educação física não ajudou muito. Por isso eu me afastei muito do desporto. Só me interessei mais tarde, com o convite do meu irmão para ir para a arte marcial filipina Kombatan. Odeio futebol, odeio que um desporto ponha os amigos uns contra os outros, desconhecidos quase à batatada por causa de um clube. Admito que só vejo futebol quando é o europeu e o mundial e quando torço pela minha seleção de Portugal. Quando tinha educação física, adorava jogar Basquetebol, sempre gostei, mas quando faziam as equipas, ninguém me queria e eu passava a aula sentado no banco.
Em 2016, tive um convite do meu irmão para ir treinar uma
arte marcial filipina que ele trouxe para Portugal. Eu andava a ver
um lutador da Estónia chamado Baruto Kaito que tinha conquistado
o Japão como lutador de Sumô. Não era o Sumô que me fascinava nele, mas a sua história de vida: com 22 anos, sem saber a língua e
sem conhecer o Japão, ele vai sozinho para ser lutador de Sumô.
Enquanto eu tenho medo de ir à minha rua, Baruto que era um ano
mais novo que eu, era mais corajoso do que eu. Eu era mais velho
e ainda não tinha feito nada que orgulhasse a minha família.
Quando as minhas tias ligavam para a minha mãe, ela só falava do
Paulo e da Marta, eu nunca era mencionado. Quando fui convidado
pelo meu irmão para treinar artes marciais, Kombatan, eu aceitei
logo. Era um grande desafio, mas eu aceitei, meu irmão é o meu
herói, eu gosto do Baruto como exemplo, mas quem eu admiro nas
artes marciais é o meu irmão.
Comecei os treinos em janeiro, era numa casa que por dentro era
um ginásio, estava tanta gente que o meu irmão trouxe para treinar
a arte nova.
Num Dojo, quando se entra faz-se uma vénia pedindo ao mestre
para entrar e se ele der permissão a gente entra, para sair é o
mesmo, a gente pede permissão para sair e se o mestre autorizar, a
gente sai. Eu não estava habituado, então treinava sempre com as
mãos nos bolsos, o meu irmão era o mestre ou naquele caso o
Guru e eu tinha que obedecer. Quando entrava no dojo, nós
deixávamos de ser irmãos, era o Guru e o aluno. Minha irmã
zangava-se toda quando o meu sobrinho Marco, que também
treinava, dizia que foi repreendido. O dia mais feliz da minha vida foi
quando o meu irmão me ofereceu os meus bastões, eu era um
Eskrima, que sensação maravilhosa! Acordar aos domingos para ir
treinar, treinar com pessoas diferentes - só não gostava que o meu
irmão dissesse que eu era autista, para terem cuidado, como se eu
fosse de vidro. Eu lutei contra isso. No Kombatan existe o Mano a
Mano, que é o boxe Filipino, eu adoro combater com as minhas
mãos. Eu gostava de lutar com um dos meus amigos, o Fernando
Mesquita, ele não queria saber se eu era autista, ali éramos rivais.
Em casa ninguém gostava muito que eu combatesse com os outros,
mas eu não ligava, eu adorava combater, desligava-me do Autismo
por uns segundos e cuidado! aí vem o André! Eu sentia-me um
Padawan e o meu irmão era o mestre Jedi. O meu amigo Hugo
chamava-me Tartaruga Ninja e quando eu falava com ele sobre o
Kombatan gostava deste elogio do meu melhor amigo.
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Nas aulas, quando eu era um ás com o bastão nas
competições, o meu irmão chamava-me Tartaruga Touchê. A turma
começou a ficar pequena e o meu Guru não conseguiu ficar no tal
ginásio por isso mudamo-nos para o Parque da Lavadeira. Treinar
no meio da natureza não é para qualquer um, dizia o meu guru.
- Usem o que a natureza vos dá, não temos o ar condicionado
do ginásio, mas temos este espaço todo, usem-no, para
aprenderem a arte do Kombatan.
De um grupo grande de homens e mulheres só ficaram dois,
eu chamei a este grupo o time 7, tínhamos o Fernando de que eu
falei há pouco, a Mariza, o meu sobrinho David e o Bruno como
guru ajudante que também andava a treinar, mas dele falaremos
mais para a frente.
O exame para o nível 1 era em dezembro
Treinei todos os dias a
ver os vídeos que o meu irmão tinha gravado. Quando lhe mostrei
que eu sabia fazer as 15 técnicas do mano a mano, ele ficou feliz e
eu também fiquei feliz.
A Comic Con era na Exponor em Matosinhos e era o único
lugar em que eu podia ser eu mesmo. Na vida real era um rapaz
normal e aborrecido e na Comic Con podia ser o dono do trono de
ferro ou um Jedi, podia tirar fotos com personagens de filmes e
séries que era impossível na vida real. Lisboa roubou-nos, mas os
Deuses estão por nós e em Lisboa não foi tão falado como pelas
gentes do Porto.
No Domingo era dia de exame, eu passei com distinção, fiz as
15 técnicas sem vergonha, ajudei o meu sobrinho David a relembrar
as técnicas e no fim o meu Guru, ao dar-me o exame, disse que
estava orgulhoso de mim e eu era o primeiro jovem com síndrome
de Asperger a passar o exame do nível 1. Que alegria, que
felicidade, finalmente eu tinha conquistado uma vitoria e tinha
corrido bem. Claro que passei para o nível 2, o meu grupo era o
mesmo mas tinham saído os meus dois sobrinhos.
Por alguma razão o autismo é azul, no dia 2 de abril, no dia
mundial do autismo, os monumentos de todo o mundo ficam azuis,
o guerreiro de Kombatan chama-se Eskrimador e eu então intitulei-
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me como o Eskrimador Azul. Todos os domingos quando era dia de
aulas de Kombatan eu acordava cedo para ir treinar e tinha, pelo
menos nesse domingo, o meu irmão comigo. No dia do exame foi
complicado, eu, com os nervos, tinha-me esquecido de algumas
técnicas, mas sabia outras tal como a minha colega de turma
Marina, por isso ajudamo-nos e passei para cinturão verde. Eu
passei com o meu esforço e a minha dedicação, mesmo agora não
estando a treinar, eu sou um Eskrimador de cinturão verde, o meu
Guru é Paulo Vilaça, meu irmão.
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